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TRAGÉDIA NA SERRA – excerto de um romance escrito por mim

“(…)

O chefe estava bem disposto. Tinha orelhas de abanão e demasiados dentes.

– Chamou-me, chefe? – perguntou Rodrigo

– Sim, está cá a TV para te entrevistar.

– Ora bolas, não me podia ter avisado? Detesto aparecer na televisão. Além disso acordei com um bufo no cabelo e estou com os olhos inchados.

– Eles chegaram, chefe – informou um dos polícias – mando entrar?

– Sim, sim, a televisão é sempre bem-vinda. – exultou o chefe passando uma mão pelo cabelo ralo.

A equipa de televisão entrou com muitas câmaras, cabos e microfones. A jornalista, com uma boca enorme, entrou com tal vivacidade que enrolou o chefe e o polícia nos vários cabos. Acabou por tropeçar e cair nos braços do chefe que corou violentamente.

– Peço imensa desculpa! – guinchou tentando em vão libertar-se dos cabos.

– Não tem de quê, não tem de quê. – tartamudeou o chefe, que se agarrava, coradíssimo, à cabeça de outro polícia.

– Não seria melhor cortar os cabos? – perguntou o polícia embaraçado.

– Meu amigo, os cabos custam dinheiro. – disse o cameraman que olhava indiferente para a cena caótica que presenciava. – esta senhora é filha do director, por isso pode ser desastrada à vontade. – mas não se preocupe, mais cedo ou mais tarde, ela acabará por se desenvencilhar. Ao fim ao cabo, ela é especialista em situações como esta.

Bastante tempo depois, após algumas quedas e tentativas de alisamento do bufo do cabelo de Rodrigo pela equipa de maquilhagem, todos estavam preparados para a entrevista.

– Mãe, pai, venham ver o Rodrigo na televisão.

– Como ele está bonito! – dizia D. Otília juntando as mãos.

– É pena ter aquele bufo na cabeça!

Na televisão, a entrevistadora seguia com a entrevista.

– Esse seu mau aspecto deve-se, com certeza, ao facto de saber que o senhor Fernandes foi libertado e jurou vingança.

– O meu mau aspecto deve-se ao facto de ter tido uma crise de comichão nos olhos. – respondeu o detective mal-humorado.

– Ah! Sofre então desse mal. Eh, eh, eu, quando vejo uma galinha… ATCHIM.

– CURRUPACO! MEIAS ESTAR AQUI!

Rodrigo corou. Valeu-lhe a televisão estar com pouca cor, ou teria que sofrer a troça dos irmãos.

– Que vem a ser isso? – perguntou a jornalista tentando manter a imensa boca na mira da câmara.

– Oh, esqueça, é uma longa história! A culpa foi do seu espirro!

– Esta é uma das consequências de transmitir em directo, caro telespectador. – declarou o sorriso da jornalista, olhando a família de Rodrigo nos olhos – Boa tarde, sou Micaela Martins.

Os irmãos e os pais de Rodrigo entreolharam-se atónitos.

– Eles estão, com certeza, a brincar.(…)

o tsunami

Sonhei que tinha ido à praia da Nazaré.

Bocejei ao ver o tsunami que se aproximava… já não era nada de novo nos meus sonhos, um tsunami na Nazaré.

Mesmo assim, olhei em volta, para ver se via o meu carro, que também tem a irritante mania de desaparecer nos meus sonhos.

Nesse momento passa o Mourinho a berrar: “Run for your lives!!!”

Para meu espanto, vejo-me com uma bola nos pés. À minha frente, o Cristiano Ronaldo aguarda que lha passe. Chuto com todas as minhas forças, mas é a minha pantufa que vai ter à cabeça do famoso jogador. Este dá-lhe uma valente cabeçada e a pantufa, passando por Beckham, acerta em cheio na baliza.”É GOL! GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLL da Nazaré!!! – berra o Alberto João Jardim.

Recebi cumprimentos da equipa, embora estranhasse o absurdo de tudo aquilo. O Cristiano disse algo como: “bola de ouro, pantufa de ouro” e o Beckham exigiu que o golo fosse anulado por ter sido marcado com uma pantufa que nem sequer tinha as cores de Portugal. O árbitro concordou e resolveu que teria de haver um penalti.

Quando soube que era eu que tinha de marcar, fiquei pálida. Mas o Mourinho descansou-me dizendo: “Don’t worry, the guarda-redes is not very good!” e apontou para o Herman José que treinava a posição certa de defesa.

Puseram-me uma bola de ténis no pé e ouvi o estridente apito. Vi-me grega para acertar na bola, mas como em futebol dá sorte ver-se grego, lá acertei e a bola voou para a boca do famoso artista. 

Este, para disfarçar, resolveu engolir a bola, o que enfureceu o Mourinho que, com a ajuda de Ronaldo, viraram o guarda-redes de cabeça para baixo, para ver se a bola saía.

Nunca cheguei a saber o resultado do jogo porque o tsunami abateu-se sobre nós e eu acordei com uma pantufa na boca.

 

 

 

A história do gato preto, ou o diário de uma Golden Retriever II

(continuação de A história do gato preto, ou o diário de uma Golden Retriever)

Então as Donas compraram uma moradia. Todos os gatos aceitaram de bom grado a mudança de um quarto para uma cave, mas a Xadai…agarrou-se tenazmente a um poste e, quando as Donas conseguiram levá-la para a cave, refugiou-se na caixa dos gatinhos com um ar apavorado.

O início da nova vida na nova casa foi terrível! Os gatos resolveram encher-se de pulgas e povoaram a casa toda com estes antipáticos bichos. Depois, um terrível gatinho amarelo apareceu no quintal e, como estava um calor abrasador, as Donas resolveram recolhê-lo. Mas qual quê? Tocar

naquela ferocidade ambulante? Nem pensar! Todos os gatinhos bufam no início, mas aquele era tão feroz que, ao bufar, fazia marcha-atrás! Foi necessário um toalhão para pegar no terrível gatinho. Durante um ano ninguém conseguiu tocar no irascível bicho. Por isso lhe chamaram Enola Gay, o nome do avião que lançou a primeira bomba atómica. Claro que esse nome não pegou e ficou Gato Feroz.

O que mais me fascinou foi a queda de uma das Donas pelas escadas abaixo. Não, não me interpretem mal, eu adoro as minhas Donas! O que sucedeu foi que como a pequena dona se magoou, a dona grande antecipou o desejo de ter um Golden-Retriever, ou seja, moi-même, toujours enchanté de vous conaître. Foram visitar um criador e ficaram encantadas com a minha simpatia e beleza. Já não era uma cachorrinha, as Donas eram meio pelintras (agora são pelintras completas) e não tinham dinheiro para comprar um cãozinho.

O que é certo é que eu sofri! Oh, se sofri! Está bem que agora sou louca pelas minhas Donas, principalmente por aquela que tem um aspecto esquisito, mas na altura… que querem? Pensei que aquele criador era meu dono e passei as passas do Algarve para o esquecer. O meu stress pós-traumático manifestou-se de formas peculiares: recusava-me a andar e aterrorizava-me a ideia de pisar algo que não fosse terra. As Donas levavam-me ao colo, mas, como eu já era enorme, as pessoas fartavam-se de troçar “ a que propósito é que levas um ovelha ao colo?”

Bem, a primeira pessoa com quem socializei, foi um cãozinho esquisito a quem as Donas chamavam Gato Preto e que miava muito alto. Ele costumava comer da minha taça e eu adorava lamber-lhe afectuosamente a cabeça, embora ficasse sempre com a boca cheia de pêlos. As Donas fartavam-se de rir, pois parecia-lhes que eu, cor de leite creme, tinha um bigode preto.

Entretanto, Banzé, uma das filhas do gato preto, fugiu de casa. As Donas viam-na de vez em quando, mas não a conseguiam apanhar. Pouco tempo depois apareceram três gatinhos à nossa porta, dois amarelos como o Gato Feroz, e uma quase preta. Eram tão parecidos com o Gato Preto que concluí serem seus netos. Infelizmente, como sou um pouco desastrada, pisei um dos gatinhos. Ainda tentei reanimá-lo, mas a Dona pensou que eu queria comê-lo e tirou-mo. Fui para casa de uns amigos até a Dona mais nova me perdoar.

Quando voltei soube que um dos gatinhos, a Banzé II, tinha morrido. Ficou só o Simba, que virá a tornar-se um dos meus melhores amigos.

Uma gata da vizinhança, a Fofinha, uma siamesa como a Xadai e a Mingau, resolveu informar que havia uma gatinha condenada numa cidade próxima. Claro que as Donas a tinham que salvar! Os outros gatos não gostaram nada da ideia, era mais uma a quem disputar o repasto.

Mas quando a viram!  Que amor de gatinha! Tinha uns ares de persa e era tão pequenina e tão redondinha! Acho que o Simba pensou que se tratava da sua falecida irmãzinha, por ter o pêlo parecido e começou a tratá-la como tal. As Donas chamaram-lhe Pulguita e, desta vez, o nome pegou. (Continua)

A história do gato preto, ou o diário de uma Golden Retriever

A história do gato preto, ou o diário de uma Golden Retriever

Era uma vez um gato preto que era …, bem, … preto. Chamava-se Xanuat de Chat Noir que em Francês significa “gato preto”.

Era um gatão enorme com fama de ter juízo entre os outros gatos, mas sem juízo nenhum. Sim, porque ainda usava fraldas e arranjou logo três filhas, uma preta que, mal conseguiu andar, pôs-se a milhas da casa paterna, pois o gato preto, além de não ter juízo, era um tirano de primeira. A segunda filha, a Malhadinha, era uma tartaruga muito bonita, mas tão arisca! Saía à mãe, a falecida Timmy, que não morria de amores por ninguém. A terceira filha, acho que se chamava Capi, mas nós chamávamos-lhe Filha da Timmy, tinha medo de tudo e de todos e morreu uma semana antes da mãe.

O Xanuat era, sem dúvida, um gato magnífico. Lembro-me de que, quando a Timmy caiu da janela, o bichano não parava de miar. E quando Xadai, a mais velha e já falecida, estava a dormir no chão e o Xanuat numa cadeira, as donas inclinaram a cadeira para ele cair em cima da Xadai, que era uma gata irascível que só gostava de humanos. O gatito, ao ver que não havia alternativa, resolveu dar uma patada à Xadai, a dizer “Por obséquio, estou a cair, importas-te de sair daí?”

E o Xanuat já morreu! Mas não está morto, não! Uma vez as Donas brincavam com ele, com a Timmy, com a Xadai e com a Mingau, (irmã de Xadai), em cima de uma cama. A certa altura, o Xanuat meteu-se dentro dos cobertores e as gatas, que estavam deitadas por cima, sufocaram-no. As  Donas, ao verem-no inerte e com a língua de fora, sacudiram-no e, milagre!, voltou à vida!

Quando o Xanuat e a Timmy tiveram as suas gatinhas, as Donas adoptaram mais dois gatinhos, o BatCat, assim chamado por se assemelhar a um morcego, um enorme gato branco que fazia um contraste interessante com a negrura de Xanuat, e a Tigrinha, uma gatinha às riscas cinzenta. A Timmy adoptou-os de imediato, talvez porque não prestou atenção ao número inicial de gatinhos. Às vezes, quando os filhotes mamavam, ela parecia estar a contá-los, com um ar perplexo.

E foi a gota de água! Tornou-se impossível viver num apartamento com nove gatos. Era um sofrimento subir as escadas com o peso da areia de gato e limpar as caixas. Ainda por cima, o Xanuat armou-se em intelectual e começou a fazer as suas necessidades em cima dos livros. A dona Natália, a empregada, não parava de dizer: “Ai que gatinhos tão malandros, que fazem tanto cocó!”

(continua)